O fim do folclore?
Descrever nosso sentimento nem sempre é fácil, principalmente quando nosso alvo é uma outra pessoa. Faltam palavras, os verbos não encaixam direito e aquele roteiro de cinema mentalizado durante o banho, descamba para um amontoado de palavras desesperadora.
O que me surpreende é que esta dificuldade nas palavras, no que tange o sentimento, também me afeta quando se trata de artefatos, principalmente das quais tenho paixão, como os livros.
Confesso que quando me deparei com a notícia sobre o descarte de mais de 5 mil obras pela Fundação Palmares, aquela trava linguística me assolou de tal forma, que nada podia descrever o que senti. Optei por deixar meu silêncio engavetado e trazê-lo à tona quando estivesse preparada.
Alguns podem dizer que estou exagerando, uma vez que faz total sentido o abandono de obra rara, cujo estado de preservação esteja deplorável, conforme divulgado no próprio relatório da Fundação Palmares. Tome nota:
“Quem consultar o clássico ‘Dicionário do Folclore Brasileiro’ (Câmara Cascudo) terá em mãos um livro não só gramatical e ortograficamente desatualizado, mas com páginas soltas e exibindo um forte cheiro de mofo.”
Tudo que você abandona se degrada (e não estou falando só de objetos). Mas vamos dar um passo para trás: se sabemos que papel é algo efêmero na natureza, porque não investir em formas de preservação, quando falamos de obras raras? Veja o Evangelho de São Cuteberto, por exemplo, datado do século VIII. Praticamente impecável simplesmente por ter passado mais de 400 anos fechado num caixão. Ou seja: livros não estragam “porque sim”. Livros estragam por negligência. Por quem “não se importa mais”. Por “conveniência”.
Embora triste, não é a obliteração do livro que me doeu, e sim, o fato da Fundação Palmares considerar o livro “gramaticalmente desatualizado” e possuidor de “ideologia marxista”.
Ora, então quer dizer que qualquer livro que não atenda as normativas gramaticais atuais entram na fila do abandono e descarte? Isso quer dizer que devemos, retroativamente, passar um corretor ortográfico em Fernando Pessoa para mantê-lo relevante? Onde isso vai acabar? Na Bíblia?
Mesmo depois deste texto todo, sinto que não consegui extrapolar todo meu descontentamento com o episódio, restando à minha mente só lamentar o ocorrido.
Mas quando achei que era o fim, eis que vejo em minha linha do tempo, alguém que ainda acredita em nossa cultura. Em pleno 2021 (pandêmico), me deparo com o canal no Youtube Professor Duni Verso (que poético), cujo clipe musical ilustra o Folclore Brasileiro numa canção simples, mas que denota um apreço por nossas lendas. Meu filho adorou e minha mente se apaziguou.
O motivo? O Folclore não morreu. Ele está por aí, como sempre esteve, preservados das mais variadas formas, por pessoas que realmente dão valor a nossa cultura.
Algo que a Fundação Palmares deveria fazer.
SERVIÇO
Para quem quiser conhecer, descobri que o projeto tem várias frentes (e músicas). As crianças vão adorar!
Site: https://professorduniverso.com.br/
Youtube: https://www.youtube.com/c/ProfessorDuni
Spotify: https://open.spotify.com
Instagram: https://www.instagram.com/professorduni/